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Curto&Grosso: A "guerra de memes" entre Israel e Palestina reflete o conflito armado e molda a opinião mundial. Alguns, são usados para expressar resistência; outros, para aprofundar divisões. Relatos apontam censura online contra ambos os lados.

Em 7 de outubro de 2023, um ataque surpresa foi lançado pelo Hamas contra o Estado de Israel. De acordo com pesquisa do Al Jazeera, até o dia 26 de fevereiro de 2024, o conflito já ceifou, pelo menos, 31.184 mortes em Gaza, 427 óbitos na Cisjordânia ocupada e 1.139 falecimentos em Israel. Enquanto mísseis e bombas arrasam Gaza e cidades israelenses, outra batalha é travada nos bastidores: a guerra de memes. Sátiras, símbolos e frases virais espalham perspectivas antagônicas do conflito, moldando a opinião mundial.

Censura a todo vapor

A crescente censura online torna-se um protagonista obscuro no cenário do conflito entre Israel e Palestina. Amyr Nasser (22), brasileiro de ascendência palestina, experimenta na pele a supressão de sua voz. Ele usa o humor, utilizando também de memes, como ferramenta para aliviar a tensão e criticar a situação, principalmente em seu Instagram. 

Amyr trabalha com internet há 12 anos, postando vídeos relacionados ao mundo árabe. Após o agravamento da guerra israelo-palestina, suas contas foram banidas nas redes sociais.

“Antes do conflito que iniciou em 7 de outubro, não sofria tanta censura. Porém, meus vídeos nas diferentes redes sociais, como TikTok e Instagram, começaram a ser removidos por justificativas sem sentido, como assédio ou bullying, até removerem minha conta”
Amyr Nasser

Segundo as fontes palestinas, a situação se agrava com esse controle das redes sociais, que limita a capacidade de denunciar a situação palestina devido à prevalência da propaganda pró-Israel. 

O recifense André Frej (55) é servidor público federal e filho da diáspora palestina, pois seus pais vieram ao Brasil bem novos, em 1952. Percebendo a hostilidade contra o povo palestino e a desigualdade na guerra, tornou-se membro da Aliança Recife-Palestina. Assim como Amyr, ele destaca o sufocamento da resistência palestina, especialmente nas plataformas online.

A experiência israelense também não escapa à sombra da censura. Entrevistamos um estudante de engenharia estadunidense que não quis revelar informações pessoais. Ele descende de judeus e fundou uma conta influente no Instagram para postar memes israelenses defendendo a formação do Estado Nacional próprio para os judeus e denunciando o extremismo dos grupos terroristas. Porém, sua conta @memes_of_zion, que tinha mais de 80 mil seguidores, foi banida permanentemente.

“Não tive muito o que fazer. Não me deram uma resposta satisfatória do porquê disso. Perdi não só dinheiro, como um trabalho que havia me dedicado há bastante tempo, antes mesmo do ataque do Hamas”.
Criador do @memes_of_Zion

Atualmente, ele tenta resgatar a influência que tinha com seus memes nas contas do Instagram @memes_of_zion_reboot e @memes_of_zion_backup. No entanto, a sua página mais famosa tem apenas 241 seguidores. Ele relata a limitação das vozes dos judeus israelenses, muitas vezes silenciados sob a justificativa de desinformação. Para ele, sua luta usando memes é para “ridicularizar grupos terroristas palestinos”, defende.

Assim, essa batalha pela narrativa, permeada por algoritmos e diretrizes de plataformas, amplifica o desafio de compreender o verdadeiro cenário do conflito. A diversidade de perspectivas é sufocada, obscurecendo a busca por uma compreensão completa e imparcial.

Criatividade palestina em memes

Os memes criados pela comunidade palestina refletem uma inteligência e sagacidade notáveis. Eles são habilmente elaborados para criticar os absurdos israelenses de maneira cirúrgica, como observado por Amyr Nasser, brasileiro de ascendência palestina. Essas criações humorísticas não apenas proporcionam alívio em meio à tensão, mas também desafiam narrativas estigmatizantes, oferecendo uma perspectiva única e perspicaz.

Maryam Scislowski (22) é uma brasileira de origem síria que defende a Palestina nas redes sociais pela identificação, por ser um povo árabe, e por ter amigos que perderam suas famílias. Ela trabalha com relações-públicas numa empresa que comercializa joias árabes.

Maryam nos relatou o uso da Kufiya, um tradicional lenço palestino, que transcende sua função estética e se torna um símbolo icônico de resistência e identidade nacional. Sua utilização, segundo nossas fontes, tem se fortalecido, pois ele é mais do que um acessório de moda; é uma declaração de solidariedade e perseverança contra a ocupação. Nas redes sociais, é comum ver a vestimenta nas hashtags #فلسطين (Palestina) e #FreePalestine.

Foto de Maryam usando Kufiya

André Frej também concorda com Maryam na expressão de resistência e identidade com o uso da Kufiya. Em particular, ele também enfatiza o papel emblemático da chave como um poderoso símbolo que transcende o mero ornamento.

FOTO: Flickr

A chave é associada ao direito de retorno dos refugiados palestinos, tornando-se um ícone de esperança. Para Frej, “ela não apenas representa um objeto tangível, mas simbolizam a busca contínua pela justiça e pela reconquista de terras perdidas”.

André também compartilhou conosco o meme “Handala”, um icônico personagem criado pelo artista palestino Naji Al-Ali. Para Frej, o Handala transcende a condição de mero desenho; ele personifica a resistência palestina de uma maneira única e tocante.

FOTO: Research Gate

Handala é representado como um menino de mãos nos bolsos e testemunha silencioso os acontecimentos, personificando a dor, a esperança e a resiliência do povo palestino. Frej destaca como esse personagem, apesar de seu traço simples, tornou-se uma figura de significado profundo, simbolizando a eterna busca por justiça e liberdade.

O garotinho Handala, recusando-se a envelhecer até que a justiça seja alcançada, ressoa como uma mensagem poderosa de resistência persistente.

No mundo árabe, citações inspiradoras, canções e preces religiosas também permeiam as plataformas online, ecoando a resiliência e determinação do povo palestino em sua busca por liberdade e justiça. Maryam nos conta sobre o poder da fé dos palestinos através da Salá, que consiste em cinco orações públicas que cada mulçumano deve realizar diariamente, voltando-se para a cidade de Meca. Também, frases como “Free Palestine” tornaram-se um chamado global à ação, unindo a diáspora palestina e seus apoiadores em uma mensagem de resistência pacífica.

O Brasil também contribui com memes palestinos através do ilustrador Carlos Latuff, reconhecido internacionalmente por seu trabalho de denunciar o descaso com o povo árabe.

FOTO: Carlos Laffut no X

Com tantos memes palestinos para conscientizar o mundo sobre a sua luta contínua, possivelmente, o mais notável entre eles é também o mais curioso: a melancia. Veja a sua origem neste webstory:

A trend do preconceito

As fontes palestinas desta reportagem mencionam um viral hostil dos israelenses que chocou o mundo. Trata-se de internautas israelenses com milhares de seguidores postando vídeos destacando seu acesso à eletricidade e água e zombando palestinos, por exemplo, principalmente no TikTok e Instagram.

Com informações do site jornalístico The Swaddle, alguns israelenses postam vídeos ligando e desligando repetidamente seus eletrodomésticos e utilizando água de forma excessiva para limpar seus ambientes, tentando enfatizar que estão em uma situação “melhor” do que os palestinos. Há até mesmo influenciadores cobrindo seus rostos com pó, simulando detritos, e escurecendo os dentes para “representar” palestinos em conflito.

Para Amyr Nassr, “Isso acontece porque, na educação israelense, eles são ensinados a não gostarem dos palestinos, então é natural essa desumanização. É um reflexo do pensamento predominante de que os palestinos manipulam a mídia através da ‘falsificação do sofrimento’”, destaca.

O que surpreende os internautas é o fato desses memes permanecerem online, sendo aparentemente permitidos pelas diretrizes das plataformas. Os termos o grupo Meta, que gerencia o Instagram, afirmam: “Definimos desinformação como conteúdo com uma alegação determinada como falsa por uma terceira parte autorizada”. A definição do TikTok para o mesmo é “conteúdo impreciso ou falso”.

Pode-se argumentar que os memes e vídeos insinuando que os palestinos estão falsificando sua situação constituem uma violação dos termos do TikTok. Quanto à Meta, não está claro quem constitui uma “terceira parte autorizada”, mas há evidências sugerindo que geralmente são narrativas governamentais.

A Access Now, uma organização sem fins lucrativos fundada em 2009 e focada nos direitos civis digitais, publicou uma carta aberta sobre o caso para as principais plataformas digitais: “Governos ao redor do mundo escolheram o autoritarismo, e as plataformas contribuíram para sua repressão fazendo acordos com chefes de estado opressores; abrindo portas para ditadores; e censurando ativistas-chave, jornalistas e outros agentes de mudança no Oriente Médio e Norte da África, às vezes a pedido de outros governos”.

A chave para democratizar a informação na era digital

A questão do conflito entre Israel e Palestina é um dos temas mais debatidos e complexos da atualidade e a internet está repleta de informações sobre a guerra entre os dois países. Porém, às vezes, o excesso pode se tornar cansativo e a mensagem se perder. É nesse cenário que os memes ganham espaço. 

Além disso, a própria natureza viral dos memes, propagados rapidamente de usuário para usuário, potencializa o alcance da informação. Essa disseminação confere aos memes um poder de engajamento e impacto que muitas estratégias tradicionais de comunicação buscam, mas nem sempre alcançam.

Como visto nesta matéria, essa chave que pode romper barreiras, gerar discussões e, principalmente, disseminar conhecimento de forma efetiva e memorável pode estar sob as mãos de algoritmos, censura e manipulação, esvaziando a principal característica dos memes: sua organicidade.

2 comentários

  1. Parabéns pelo trabalho!! Obrigado pelo espaço e de voz e por tratar com tanto respeito e gosto o assunto e a cultura

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